Certa vez, quando minhas filhas eram pequenas, assisti a um comercial que perguntava: "O que você vai ser quando seu filho crescer?" As respostas das mulheres no anúncio me deixaram inquieta. Elas falavam como se suas vidas girassem em torno da maternidade, como se fossem incapazes de enxergar algo além desse papel. Eu, por outro lado, me sentia diferente. Pensava que, quando minhas filhas crescessem, eu seria livre. Teria minha vida de volta, com todas as possibilidades intactas, esperando por mim, como um presente esquecido em algum canto.
O tempo passou. Minhas filhas cresceram. O que deveria ser a tão esperada liberdade chegou, mas com ela veio um vazio inesperado. O que fazer com essa liberdade? Como preencher o espaço que antes era ocupado por listas de tarefas, horários escolares e preocupações incessantes? A verdade é que, por tanto tempo, vivi para elas que agora me pergunto: quem sou eu além de mãe?
Eu vejo a casa silenciosa, os objetos no mesmo lugar, os dias sem a urgência de antes. Não há mais brinquedos espalhados pelo chão ou as mochilas largadas no canto da sala. As manhãs não começam com o som apressado das pequenas correndo pela casa, gritos de “mãe, onde está o meu caderno?”. Não há mais as intermináveis perguntas infantis, as risadas no fim do dia, nem o cansaço físico que, de algum modo, era sempre acompanhado de uma sensação de propósito. Agora, a casa parece suspensa no tempo, como uma fotografia que nunca muda. As coisas estão como eu as deixo e, ironicamente, isso me incomoda.
E há uma certa paz nisso, claro. Eu não sinto mais a pressão do relógio ou a responsabilidade constante de estar disponível para cada necessidade, cada dor de cabeça, cada crise. Mas com essa paz veio uma solidão que não esperava. É uma solidão diferente, um tipo de vazio que ecoa pela casa e também dentro de mim. Parece que com o passar dos anos, eu me perdi de mim mesma. Quem era eu antes de tudo isso? E, pior ainda, quem sou eu agora, sem a rotina que definiu minha vida por tanto tempo?
A sensação de ter minha vida de volta é quase como reencontrar um antigo conhecido. Alguém que você sabe que foi importante, alguém que você já conheceu muito bem. Só que o tempo criou um abismo entre vocês. Você olha para aquela pessoa, sorri, tenta puxar assunto, mas as palavras não saem. É um constrangimento velado, uma dificuldade de lembrar como era interagir, o que dizer, sobre o que falar. Era eu mesma antes de ser mãe? Ou essa versão de mim é uma completa estranha agora, alguém que eu reconheço de fotos antigas, mas com quem não sei mais como me conectar?
E então, o que fazer com essa liberdade, com esse tempo que deveria ser meu? Tempo que, durante anos, foi um sonho distante, uma miragem no deserto de responsabilidades. Agora que o tenho, ele parece um presente amargo, embrulhado com expectativas que não sei como cumprir. O que era para ser uma conquista — "minha vida de volta" — me desafia de formas que eu não previ. Eu esperava me sentir leve, realizada, pronta para novos voos. Mas, em vez disso, estou flutuando sem rumo, sem saber qual caminho seguir, como se a bússola da minha vida tivesse parado de funcionar.
Talvez a liberdade que eu tanto esperava tenha vindo com um contrato invisível, exigindo que eu me reinventasse. Que eu aprendesse, de novo, a ser alguém. Que eu encontrasse novos significados, novos desejos, novas paixões. Mas isso... ah, não é tarefa fácil. Porque, por mais que eu saiba que é necessário, como se faz isso? Como se aprende a ser outra coisa além de mãe, quando ser mãe foi sua identidade por tanto tempo? A verdade é que, por anos, minhas prioridades não eram minhas. Agora que elas deveriam ser, eu me pergunto se ainda sei escolher.
Reinventar-se não é apenas mudar de rotina ou adotar novos hobbies. É um processo que exige cavar fundo, encontrar vestígios do que um dia foi e entender o que ainda faz sentido. É um exercício de escuta interna, de paciência com a própria confusão. Mas, no fundo, o medo maior é o de não encontrar nada. O de descobrir que, por tanto tempo, eu me apaguei, silenciosamente, e que agora não há mais como reacender aquela chama.
Talvez, no fim, o primeiro passo seja aceitar essa sensação de vazio, de dúvida, de incerteza. Aceitar que faz parte do processo de reconquista de mim mesma. Que talvez eu nunca volte a ser quem fui, mas isso não precisa ser ruim. O importante, talvez, seja seguir em frente, mesmo sem respostas prontas. Porque, quem sabe, em algum momento, no meio desse silêncio, eu possa ouvir, finalmente, a mim mesma.
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