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Mentir para viver: a verdade sobre o ofício de ser humano escancarado em um reality show


Foto: Divulgação
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A mentira é um instinto. A confiança cega, um luxo que custa caro.

Ontem (assim mesmo, ontem, em um dia só) assisti a um reality show chamado O Segredo de Um Milhão de Dólares, Netflix.

Doze pessoas colocadas num hotel, convivendo, enquanto uma delas recebe secretamente uma caixa com um milhão de dólares. O objetivo? Esconder de todos que é o milionário. O jogo? Mentir melhor do que os outros.

Até aí, tudo parece simples: um jogo de mentira. E acreditem, é muito bem feito. Trilha sonora, cortes de câmera. Tudo pensado e preparado para deixar o telespectador grudado na frente da Tv (celular, laptop, PC... vocês entenderam).

Mas o que me pegou de verdade não foi a beleza da produção, foi o comportamento humano exposto em cada detalhe. Um espelho tão claro da nossa sociedade que chega a doer.

Todos ali sabem que mentir é parte do jogo. É obrigatório. Quem não mente, perde. E mesmo assim, todos fingem não mentir. Pior: condenam os que mentem bem. Como se o jogo não fosse esse. Como se a vida também não fosse.

Fascinante, e um tanto perturbador, é ouvir alguém dizer: “Eu confio no fulano. Acho que ele não mentiria pra mim.”

Sério?

Num jogo de sobrevivência onde a mentira é o ar que se respira, onde todos estão lutando pelo mesmo prêmio, alguém realmente acredita em alguém?

Prefiro pensar que essa confiança é só mais uma mentira, uma jogada de cena pra parecer confiável, inocente, digno de um voto.

Prefiro que estejam mentindo quando dizem que confiam. Isso me daria alguma fé na humanidade.

Porque a verdade é: ninguém sobrevive sendo transparente o tempo todo. Nem na vida real. Muito menos num jogo de um milhão de dólares.

A gente aprendeu a condenar a mentira como se ela fosse suja, imoral, imperdoável. Mas o que fazemos todos os dias senão mentir em pequenas doses para manter a sanidade? Fingir que está tudo bem. Dizer “não foi nada” quando doeu. Esconder o medo. Criar máscaras sociais para passar por reuniões, filas, casamentos, enterros.

Mentir não é um desvio de caráter. É uma adaptação. Um mecanismo de defesa. Uma ferramenta de sobrevivência.

E sobreviver é o instinto mais primitivo que um ser vivo pode cultivar.

Se alguém sangrar no meio da rua, não vai se deitar em silêncio pra não sujar o chão. Vai pedir socorro. Vai gritar. Vai se arrastar. Vai se agarrar a qualquer chance de continuar viva.

No jogo ou na vida, é isso que estamos fazendo: tentando viver mais um dia. Mesmo que isso custe uma mentira aqui, outra ali. Mesmo que a gente finja confiar. Mesmo que a gente diga que nunca mente.

No fundo, quem joga bem está vivo.

E quem vive, mente, mesmo que jure que não. No fim das contas, talvez mentir para viver não seja só o plot de um programa de televisão qualquer. Talvez seja a regra oculta do jogo que todos estamos jogando, dia após dia, sem câmeras, sem prêmio.

A mentira não nos afasta da humanidade, ela a revela.

Essa é a verdade.


E a verdade assusta.

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